segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

A amante enlutada no bar

 


 


Marcela viu um homem se apaixonar por ela e em seguida, ele morrer.

Ela colocou o vestido que usou na noite em que  se apaixonaram. Maquiou-se, colocou um dos seus  sapatos pretos e foi beber, sozinha, no bar que outrora fora cenário de  novela mexicana: A artista e o político, bêbados, escancarando para a sociedade que eram  cúmplices de um adultério dos bons.

Aquele bar já presenciou aquela mulher chorar por tantos sujeitos, por tantas situações.  E aí quando ela começou a conhecer a felicidade e finalmente  beber com alguém e não por alguém, seu romance acabou em tragédia. Uma tragédia muito, muito trágica, merecedora desse pleonasmo proposital. Pois uma fatalidade aconteceu com a morte de seu mais recente e melhor amante, e por isso naquela quarta atípica, ela sozinha, bebia seu chopp  e um outro licor, relembrando os momentos de adrenalina que ali viveram, dias antes da fatalidade.

Naquele bar de rock ela já se lamentou sobre o seu amante milionário, porque ele preferia órgãos masculinos...

Lá também ela se lamentou até por um delegado, que de romântico e espiritual, evoluiu para assediador moral e físico...

Naquele bar ela cantou, dançou, tocou, foi beijada na fila do banheiro, ficou presa no banheiro, sentou na calçada, sentou na escadaria, brincou no banco giratório do balcão, como se estivesse num parquinho de diversão. E lá era mesmo um parquinho, o parquinho dos adultos.

 Naquele bar ela flertou com homens que a viram tão bêbada, que nunca passaram do flerte. Ela já foi do palco ao chão, já recuperou a dignidade que lá mesma havia perdido.

E etc e tal. E tal e coisas.

Quero deixar claro que esse causo não é sobre um bar, é sobre um homem que morreu, deixando para trás família, esposa, uma cadeira no plenário e uma amante chamada Marcela, essa Marcela mesma, a intensa e autêntica Marcela!  Marcela, que amava  6 homens ao mesmo tempo, e nenhum a amava de volta, alguns sequer sabiam. Exceto o falecido. Ele sabia. Ele retribuía.  Mas daí.... ele morreu.

Voltando a cena do bar... ela com o vestido que o morto gostava, sentada no seu banco giratório num cantinho perto do banheiro, três dias após o acidente, a amante estava no bar pela primeira vez após a morte de Rick.

-Um chopp moça! – pediu pra garçonete, que pronta a atendeu.

Naquela noite, Marcela bebia e não sorria. O dono do estabelecimento que bem conhecia seus clientes fiéis, percebeu o semblante cabisbaixo da amante enlutada no seu bar, e perguntou:

-O que aconteceu que está triste Marcela?

Então ela desabafou:

-Eu vi um homem se apaixonar por mim, e em seguida morrer.

Ainda está vivo na minha lembrança o seu olhar no nosso primeiro contato visual.

Eu desci da caminhonete de minha amiga Meg, com o vestido vermelho acinturado mais vivo daquela primavera, e desenhos de flores brancas como detalhe.

Era aniversario de um homem chamado Rafaelo, e fomos convidadas por um convidado para irmos até aquele quiosque que pertencia ao homem que vi se apaixonar por mim e morrer..

 Se não fosse termos entrado de “penetra”, todas as minhas lágrimas dos dias atuais seriam evitadas, pois eu não teria conhecido  o vereador; mas aí, os espontâneos e automáticos sorrisos que trocamos a partir daquela noite, também não teriam existido. E o olhar magnético mais forte que já vi, também nunca teria atingido o meu olhar.

Estávamos todos alegres demais, eu com um copo de chopp na mão, descendo do carro, ele tomando Gin, ao lado de sua esposa e familiares. Parado, curioso para saber quem estava saindo de dentro da Ranger cinza. Saíram 3 belas mulheres, uma loira, uma ruiva, e do banco de trás, uma morena que era eu, eu e meu belo par de olhos arregalados e ligeiros, que imediatamente o avistaram. Meus olhos  viram os olhos de Ricardo olhando para mim, e se dilatando. E foi naquele instante, que algo químico, físico, atômico, divino, cósmico, sublime, raro, quente e predestinado aconteceu: eu vi aquele homem se apaixonando por mim.

Irradiávamos juventude, beleza, simpatia, educação, alegria, vitalidade, intelectualidade.  Estávamos vibrando muito alto, e nem era culpa do álcool, era culpa de algo muito maior que eu chamo de: destino.


 Como eu iria imaginar que meses depois iria vê-lo pela última vez neste plano terrestre , morto dentro de um caixão, no Plenário Municipal.

- Sinto muito Marcela- Disse o dono do bar- Foi uma perda lamentável para nós amigos do bar

-Mas ele não era um bom político, não fazia nada, nem aparecia - Se intrometeu na conversa uma loira artesã que também bebia no balcão.

E no ambiente sonoro ao  fundo, The doors- LA woman. 

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