Meu mestre percebeu a presença de um ser estranho querendo
adentrar em meu campo gravitacional.
Meu mestre, sábio que é, sentia que aquela aproximação
poderia ser perigosa e fatal para mim. Natural de seu instinto protetor.
Para meu mestre, Lúcifer, eu sempre fui uma musa, uma
divindade. Ele me ama, me cuida, e eu gosto de receber o amor que ele me dá, e
que só aumenta a cada encontro.
Diferente do intrigante “homem do terno azul” que se aproxima de
mim. Para ele eu sou apenas uma presa
suculenta e corada, fresca e ideal para ser devorada e depois largada só a
carcaça ao habitat natural.
Ele me caça e eu
assustada, fujo. Ele me procura já há algum tempo através de seu inconsciente.
Então eu corro e desafio as leis da física
para me proteger de seu ataque.
Ele não irá me encontrar
tão cedo, depois que meu mestre, me emparedou e disse:
-Lilith, se afaste o quanto antes desse homem. Nós somos das
artes, criamos belezas, enfeitamos o mundo. Ele encobre feiuras, e por isso é incapaz
de apreciar a sua magnitude, que eu tanto venero.
-Eu sei de tudo isso! Eu sei mestre! Mas o que hei de fazer
se ele vier até mim?
-Não deixe ele entrar mais na sua vida! Bloqueie-o. Não
permita que ele encontre espaço para chegar até você, ou então serei eu que me
afastarei de ti!
As palavras de Lúcifer, martelaram na minha mente, eu nunca havia visto ele naquela forma antes. Já o vi como o Guardião do tempo, como o Guardião da luz, mas ele falava dessa vez como um pai preocupado em perder sua filha para o verdadeiro mal.
-O que são sangue de animais comparado ao sangue de pessoas? - Filosofava Lúcifer.
Seu discurso de alerta, me fez relembrar o quanto sou incrível, eu que vibro na quarta dimensão!! O meu caminhar e os
meus movimentos, mesmo que lentos, fazem barulho e meus passos são escutados lá longe, nas mais
altas coberturas, onde meu cantar sombrio reverbera.
Mesmo que o “homem do terno azul” não queira me sentir, ele me
fareja com todos os seus sentidos porque é inevitável e seu instinto de alfa,
anseia em me dominar e sentir o gosto de minha carne, de minha carne inteira...
-Mas eu sou indomável, Lúcifer! Já sobrevivi a muitas guerras e muitos
ataques ferozes, ele não vai me possuir! Não duvide de minha lealdade a você!
Mas se ele se dirigir a palavra, responderei porquê sou educada e acima de
tudo, como bem sabe, sou política! –respondi ao mestre
- Você é apocalíptica Lilith!!! Você está além da
compreensão deste sujeito predador! Seja um mistério, não se abra! Só de falar
nesse homem sujo eu já me sinto carregado. Para o nosso bem, elimine-o da sua
vida já, antes que as verdadeiras trevas assombrem nosso reinado!
A sala silenciou.
Em seguida, eu repeti 6 vezes: Eu sou apocalíptica! Eu sou apocalíptica!
Eu sou apocalíptica! Eu sou apocalíptica! Eu sou apocalíptica! Eu sou apocalíptica!
Acatei as palavras do meu mestre amado, segui minha trilha,
um pouco desnorteada e até abalada com o diálogo pesado que tivemos. Mas segura de
minha intenção: não deixar o “Homem do terno azul” chegar perto de meu campo
gravitacional.
Então, para o bem de minha tribo, acendi uma vela preta e
fiz uma reza:
-“Para que eu não venha a me queimar com o seu fogo, homem,
que ele se apague. Para que eu não venha a ruir tentando te concertar, que você
encontre a paz em outro corpo. Para que eu não acabe desvairada, que a terra
firme meus pensamentos e te afaste também de meu cérebro! Para que tu não
percorras mais as propriedades sagradas
de meu corpo, que o vento te leve para bem longe de mim, homem do terno azul”.
A vela demorou, e com certa resistência ,queimou . Ali restou apenas escuridão, o silêncio, e, no ar vazio, o cheiro daquele incenso de Iemanjá, nossa mãe.