LILITH acorda mal vestida, quase desnuda numa rua suja,
entre pessoas sujas; assim como ela .
- Que lugar é
esse? (Olha para as mãos com espanto) aqui não é o inferno! Com certeza eu não
estou nas profundezas do umbral. Isso aqui é
a Terra. Estou na Terra? Depois
de taaaantos anos! Que cheiro é esse? De urina, fezes...Que nojo! Nunca imaginei que iria sentir saudade do
cheiro de enxofre.
Todas aquelas
pessoas sujas, estavam já há muitos dias ali. Amontoados
no chão, apodrecendo vivos, encostados naquele muro do pontal de Itajaí.
Você também veio
Lúcifer?- Ela o procura com seus olhões entre os homens barbudos que estão ali fumando
no paredão.
- Esse cheiro é insuportável nessa Terra! Oh, ao menos não tenho cascos e
asas pesadas, nem meus chifres- Levanta
e começa a se mexer estranhamente, se ajustando ao corpo. Se olhando e se
tocando.
Grita: Então é isso Deus? Me mandou pra Terra, mesmo? Pra
me redimir por ter preferido Lúcifer ao invés de Adão?
Ok. Ok. Ok. OK. Ok.
OK
Deixa eu absorver
essa informação, Universo!
Ela senta, quieta,
se olha, se coça, procura algum espelho... coça
com as duas mãos a cabeça. Depois, tira do seu bolso um documento, com o
nome de Marcela e um cadastro de moradora de rua. -Mas o que é isso Deus? Eu
reinava no inferno e me atirou entre os mendigos? E essa pedra de craque aqui é
pra eu fumar também?
Então... sendo
assim, provarei.
Pega aquela pedrinha amarela, a qual a textura é semelhante
a de um giz de cera. Enrola a droga num
pedacinho de Bombril, ajeita no cachimbo
de ferro, e, fuma.
-Eu sou magnífica!
A criação mais perfeita do Pai.
Sou até poeta agora, e eu era uma demônia quando habitava
o inferno.....
Mas isso é passado...
Ouçam meu poema, quietinhas,
pobres filhas de Eva! E filhos também, coitadinhos!
Agora eu reinarei pelas valas, e vocês devem servir a mim. Sabem por quê? Porque eu fui a primeira mulher que pisou nesse solo! Entenderam? Não queiram provar da minha fúria.
Vamos lá. Todos vocês olhando para mim agora!
Algumas pessoas olhavam pra ela e riam e outros gritavam:
- Maluca!
Mas ela insistia em fazer o seu show:
- O poema:
-Feminilidade, é tudo que uma mulher é. E o homem, é que
vem da mulher. Concordam?
-Nãão! –responde a plateia.
-Lúcifer concorda comigo, não é meu amor? (Fala olhando
pro lado, como se estivesse o vendo) Que vc concorda comigo sempre? ... O útero,
os seios, mamilos, leite materno, choro, risada, pranto, visuais amorosos,
perturbações amorosas e ascendência. A voz, articulação, sussurro, grito alto.
Comida, digestão, suar, dormir. Andar, nadar, controle nos quadris. Saltos,
bamboleio, abranger, curvar os braços e apertar. As mudanças contínuas no
franzir da boca e ao redor dos olhos. A pele, marcas de sol, sardas, cabelo. A
simpatia que eu sinto com a mão na carne nua do corpo. Quando estou nua. Que
corpo belo Deus me deu! O ciclo de respiração. A beleza da cintura, daí o
quadril, e daí para baixo em direção aos joelhos. As geleias vermelhas finas
dentro de você ou de mim, mulher. Os ossos e a medula nos ossos. A relação
extraordinária de saúde. –“Não me interrompa Lúcifer, já falo te dou atenção.
Posso terminar meu poema? Obrigada.” - Oh, digo que essas não são partes e
poemas só do corpo, mas da alma. Oh, digo agora, são atributos da alma! Bendito
seja o homem que possa um dia conquistar-me. Que possa conquistar-me como
mulher. Eu sou uma mulher! Oh! Céus! EU.
SOU . UMA. .MU.LHER! - Ri com espanto. Ei Deus! Papai! - grita olhando pro alto-
poderia ter ao menos mandado meu amor Lúcifer pra viver nesse mundo atroz comigo?
Não sei se vou conseguir sem ele.... -Ahhh - grita- eu sou uma rainha não uma “casqueira”
-Lúcifer! Eu quero você aqui comigo meu
noivo, meu rei, meu eterno! Lúcifer! Lúcifer? Venha até mim, Lúcifer! Não se
demore, Lúcifer! Eu te amo!
Após recitar todos esses devaneios, perambula pela rua
atordoada e chamando loucamente por Lúcifer (como sempre). Outra vez , ela ouve um barulho ensurdecedor, e fortíssimas
luzes iluminam a escuridão. Os “nóias” saem correndo quando avistam as
ambulâncias e viaturas policiais chegando.
-É você Lúcifer? – Caminha lentamente em direção aos carros e logo é silenciada,
através de agulhas com sedativos.
O paraíso de pedras torna-se quieto e novamente calado e apagado, tal como Lilith.
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